quarta-feira, 18 de maio de 2016

Alquimia

Sem qualquer pressa, uniam mãos, pernas, braços... numa dança íntima, que aos poucos ia lhes guiando no sentido exato da entrega verdadeira. Antes de tudo, roçavam suas faces como a imprimir suas identidades na alma parceira. Pouco a pouco, incontidas, suas minas de desejo buscavam-se, desesperadamente, como num reconhecimento íntimo de duas partes de um mesmo inteiro, descoladas por engano em alguma curva da existência. Seus corações, antigos jardineiros, aravam aquele momento infinito salpicando-lhe ingredientes encantados, em forma de beijos e de carícias, sempre na medida exata dos seus quereres. O leito, inebriado, abria seus braços para encerrar o infinito daquelas duas essências. E as estrelas, encantadas por tal intensidade rara, pulavam em desvario para dentro das cobertas e criavam um céu inteiro, de uma beleza única; impossível de ser contemplada por mais ninguém. A Lua, em reverência à plenitude daquela entrega, emprestava-lhes seu brilho prateado, enfeitando o que ali se produzia e dali se irradiava para o todo em ondas magnéticas de um Amor livre e transformador de todos os universos: os de dentro e os de além. A Vida, em gratidão, àquele Bem produzido apressava-se a encontrar um fundo intocável daqueles dois corações para ali lhes tatuar, com aquele mesmo fogo, um sorriso perpétuo que haverá de se abrir sempre que suas lembranças as conduzirem até aquele lugar longínquo e seguro de si mesmas. (Eme Baobá)

Batalha perdida; graças a Deus!

Durante um cochilo, um tal amor chegou sorrateiro nos vastos campos do meu coração. Sem alarde ou autorização, logo se pôs a armar acampamento. Minha mente, assim que percebeu o intruso com aquele ar de quem é senhor e que veio para ficar, destacou patrulhas de pensamentos violentos a lhe exigir a retirada imediata. Os pensamentos gritaram-lhe impropérios, mas o danado nem se mexeu. Continuava ali esparramado na rede que pendurou nos ganchos da minha alegria e do meu prazer. Inabalável; permanecia como quem nada teme. A mente, então, achou de redobrar o ataque: lançou-lhe farpas e lhe atirou bombas. Passados os estampidos e baixada a fumaça, logo se podia avistá-lo tranquilo e sem qualquer abalo. Ocorreu-lhe, então, afogá-lo em lágrimas. Fez os olhos chorarem em borbotões até não poderem mais. Choraram muito. E, nada. Já tendo usado seus recursos mais poderosos sem qualquer êxito, o jeito foi examinar o “inimigo” mais de perto. Lá estava: belo, claro, sereno e já totalmente senhor daquele lugar, cujos encantos se lhe rendiam sem qualquer resistência. Já sem forças, e estupefata com a beleza do tal intruso; primeiro aquietou-se. Depois, extasiada com aquele Poder silencioso, rendeu-se aos seus encantos e pôde, então, provar a felicidade tão desejada de uma entrega sem reservas. (Eme Baobá)

Um bem-te-vi me prendeu na gaiola

Quando sua alma a mim se revelou, antes de tudo, percebi um sinal. Inexplicável anúncio de acontecimento raro e imperdível. Minha alma Baobá, então, sem reservas, esticou seus galhos e fez tremular suas folhas em homenagem à sua chegada. Minha alma Baobá desejou, profundamente, se fazer bela e clara para acolher sua ilustre presença. E se alegrou ao se deixar extasiar pelo seu canto mágico que lhe desperta a banda mais nobre da essência. Meu Bem, meu bem-te-vi, que alegria bem te ver e bem te querer! (Eme Baobá)

Pelejando com o espelho

Em frente ao espelho declarei mil vezes “Amo você”. Teria sido perfeito se meus olhos míopes não tivessem confundido minha imagem com aquilo que a refletia. Sofri por algum tempo a frustração do espelho não reagir àquele meu amor de um só. Só depois de acordar para essa minha estupidez, mudei a prática; e, agora, sempre que me deparo com algo que só pode me refletir, coço os olhos mil vezes. Minha existência tem sido mais serena desde então, e parece-me que a do espelho também: lá no seu universo, crente que pode ser qualquer um, majestosamente seguro de si e inerte como lhe apraz. Como ambos nos encontramos nos postos que nos cabem, bastou trocar a recitação para “Ado ado ado...” para que a paz se reestabelecesse entre nós. (Eme Baobá)

Minha flor e o beija-flor

Na cadência perfeita de suas asas, no seu tão ligeiro agitar-se (um faz de conta da inércia) avista-se o lindo beija-flor a reverenciar a formosura que lhe encoraja o corpo frágil a se entregar ao voo esplêndido. Em suas fortuitas visitas, dedica às flores escolhidas a sua mais pura alegria. Não captura delas aquela ínfima porção de essência por apego ou vaidade. Assim o faz, tão somente, por fidelidade à sua sina: compartilhar com o mundo todo, um pouco do Belo que o move. Suas cores cintilantes emprestam aos prazeres escolhidos um brilho a mais: uma festa. E à Natureza toda exibe, com delicadeza, sua inexorável retidão ao seu destino: uma lição. Seu delicado beijinho: um presente a aguçar-lhes a consciência de si mesmas. A minha flor, regozija-se pela sua presença e, também fiel à sua sina, o quer livre. Na despedida da visita deleitosa, minha flor; ousada e plena, sussurra-lhe com o olhar: "-Se apresse, meu lindo e amado beija-flor. Vá, ligeiro e confiante, visitar as delícias que lhe encantam e lhe fazem beija-flor.